Extrapolando as quatro linhas: PC Caju

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Estava com tudo planejado pra dedicar esse espaço ao Fred. A volta do ídolo é o assunto principal nas redes sociais de todo tricolor – e não poderia ser diferente. A comoção foi grande, trouxe sentimentos muito fortes de volta, uma nostalgia gigante e uma esperança maior ainda por dias melhores. Agora ainda lidamos com os rumores de um possível retorno do Thiago Silva.

Mas alguns acontecimentos recentes e seus desdobramentos me fizeram mudar o enfoque da semana. Dessa vez, o protagonista é um jogador que marcou a história do futebol. E não foi só com a bola no pé.

De origem humilde, Paulo Cézar Lima descobriu sua paixão pelo futebol ainda novo. Escutava jogos pelo rádio e eventualmente ia ao Maracanã com o pai de um amigo. Conta que começou a jogar nos paralelepípedos da favela do Tabajaras, onde morava, com bola feita de meia e jornal, além do clássico gol improvisado.

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Mal sabia o garoto que não só defenderia a amarelinha (e seria campeão mundial com ela), como os quatro grandes do Rio, tendo ainda passagens marcantes por Grêmio e Olympique de Marseille. No Flu, integrou a Máquina e foi campeão carioca em 1975 e 76.

Sua mãe era doméstica e aos 10 anos de idade foi adotado. Isso se deu por conta de Fred, colega de time no futsal do Flamengo (que se tornaria zagueiro do clube nos anos 70), que pediu ao seu pai para que adotasse o garoto. Assim o fez Marinho Rodrigues, então técnico do Botafogo, time que contava com craques como Garrincha, Didi, Zagallo e Nilton Santos.

Até os 12 anos moraram em Tegucigalpa, capital de Honduras, quando o pai treinava a seleção país. Lá, quiseram naturalizar o rapaz, que negou, pois queria ser campeão do mundo com o Brasil. Ainda bem né?

Mas por que eu estou escrevendo sobre ele? Pois bem. Reconheçam aqui o esforço desta jovem tricolor que procura despir-se de quase todo seu clubismo pra falar sobre ele que se destacava também por suas opiniões fortes, por ser um dos poucos atletas a tratarem do racismo, por assumir um black power em tempos em que se “esticava” o cabelo.

O apelido “Caju” surgiu após uma viagem aos Estados Unidos em 1968. No auge do movimento pelos direitos civis, PC Caju tingiu seu black power de vermelho em apoio aos Panteras Negras, grupo revolucionário americano que lutava contra a segregação racial. Importante lembrar que o cabelo transcende mera escolha estética, sendo ferramenta de afirmação e encontro com uma identidade. Ainda, conta em entrevista que sofria preconceito por conta da cor de sua pele, sendo chamado de “arrogante” ou “prepotente”.

Em 2014,  após diversos episódios de racismo que acenderam o debate por aqui,  PC Caju criticou Pelé pela falta de posicionamento, citando exemplos de grandes líderes que usaram o espaço que tinham para defender os direitos dos negros, fazendo críticas também às entidades, que deveriam aplicar punições mais severas do que simples multas.

Dito isto, trago algumas informações sobre o cenário brasileiro:

  • em 2019, foram 56 casos de injuria racial no futebol brasileiro, 12 a mais que em 2018, a maior marca até então.
  • 48,1% dos técnicos e atletas negros das Séries A, B e C do Brasileirão afirmam já terem sido vítimas de racismo durante a carreira.

Esses dias ouvi de uma amiga que não adianta querer mudar os outros sem que antes mudemos internamente, então trago uma reflexão pra vocês sobre o Fluminense, afinal, é por causa dele que conversamos hoje. Mas é fundamental que este elo não limite nosso olhar crítico e atento.

Em breve levantamento feito no nosso site, na seção de ídolos, contei 17 negros para um total de 63 ídolos. Por quê? Se o futebol há décadas é democrático e praticado por todos?

Dos 35 presidentes da nossa história, há somente UM preto na lista – Arnaldo Santhiago Lopes. Por quê?

Ano passado Marcão e Roger (Bahia) eram os únicos técnicos negros da Séria A. Por quê…?

Não vejo respostas imediatas a estes questionamentos, mas é essencial que olhemos para o lado e observemos quantos negros ocupam lugares em nosso ciclo social ou profissional.

Por mais jogadores como PC Caju.

ST


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