Hoje, o Suave Milagre nos Convoca – Washington de Assis
Há dias em que o Fluminense não pede, ele convoca. E hoje, indubitavelmente, é um desses dias em que o chamado ecoa do concreto do Maracanã à alma de cada tricolor, onde quer que esteja. Hoje vestimos nossa armadura, com a capa invisível de fé, empunhamos nossas bandeiras, reais ou imaginárias, e nos preparamos para o rito sagrado de mais uma tarde-noite tricolor.
Como um evangelho pagão, ressoa em nós a profecia de Nelson Rodrigues: “Quando o Fluminense precisa de número, opera-se o suave milagre. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas”. Hoje é exatamente um desses dias. Porque ser tricolor jamais foi apenas torcer para um clube; é uma condição metafísica, uma emoção que desafia a lógica e flerta com o divino. O coração amanhece em compasso diferente: ansioso, tenso, acelerado. O café não desce do mesmo jeito, o relógio parece andar mais devagar, e cada pensamento, por mais distraído que pareça, acaba voltando para o mesmo lugar: o Maracanã.
Carregamos ainda fresca a lembrança de um jogo estranho, atípico, em que não reconhecemos nossos guerreiros. Não era aquele Fluminense de vitórias sólidas no Maracanã e atuações seguras fora de casa. Não era o time que nos fez explodir de orgulho no Mundial, que enfrentou gigantes sem abaixar a cabeça. Dentro de campo, as peças eram as mesmas, os nomes os mesmos, os rostos os mesmos. Mas o espírito parecia distante. Perdemos, e de uma forma dramática que feriu. Mas isso já ficou para trás. Não adianta lamuriar pelo ocorrido, pois nada ajuda na missão de logo mais. Isso porque a fé tricolor não se apoia apenas no que os olhos veem. Ela se alicerça justamente no imponderável. São os mesmos homens, os mesmos corações, os mesmos seres humanos que nos levaram à glória. A matéria-prima da virada reside neles. A força de que eles precisarão está em nós.
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Talvez hoje precisemos, de fato, da intervenção dos nossos deuses. Que a presença de João de Deus paire sobre o Maracanã, como uma brisa que acalma e inflama ao mesmo tempo. Que a voz de Thiago Silva, nosso Ulisses de chuteiras, ecoe no vestiário como um mantra de sabedoria e vitória, lembrando a cada companheiro o peso do escudo que carregam do lado esquerdo do peito. Não se trata de um mero detalhe no uniforme; é uma história centenária estampada sobre o coração. Que Felipe Melo, nosso “Pitbull” de profecias ferozes, apareça no corredor estreito do pré-jogo e incendeie o espírito da equipe com suas palavras de guerra, transformando frases em combustível, dúvida em coragem, apreensão em fúria competitiva.
Eles precisam sentir o que nós sentimos. Precisam entender que, por trás de cada canto, há uma vida inteira que se dobra para caber em 90 minutos. O peso desse escudo, a força dessa multidão, a energia de uma torcida que não desiste jamais – tudo isso entra em campo junto com eles. Hoje, quando pisarem no gramado, não estarão defendendo apenas uma classificação, um placar ou uma estatística. Estarão defendendo o direito de cada tricolor seguir acreditando que o impossível é apenas o estágio anterior ao milagre. Estarão defendendo nossa velha mania de enxergar luz exatamente na beira do precipício.
Ser tricolor é isso: carregar na alma a certeza de que nenhuma batalha está perdida enquanto houver um minuto no relógio, um por cento de chance e uma única voz na arquibancada. É acordar com o coração nervoso e, ainda assim, sair de casa com um sorriso tímido, quase cúmplice, como quem guarda um segredo: “Eu sei que hoje pode acontecer algo grande”. É viver um jogo como se fosse uma síntese da própria vida – com sustos, quedas, reações, lágrimas e aquele abraço final que faz tudo valer a pena.
Hoje, o suave milagre nos convoca mais uma vez. Fluminense é para quem acredita. Fluminense somos nós, e nós somos o Fluminense. O mundo insiste em seguir seu curso normal, com afazeres mil, tarefas e compromissos que pretendem ser urgentes. Mas, para o tricolor, a hierarquia é clara: primeiro o Fluminense, depois as prioridades. Vamos com tudo, cada um no seu altar – seja a arquibancada do Maracanã, o sofá de casa, o balcão do bar ou a cadeira apertada de um quarto qualquer com a TV ligada.
Quando o apito inicial trilar, que o Maracanã se pinte de verde, branco e grená. Que os vivos saiam de suas casas, os doentes de suas camas e, se preciso for, os mortos de suas tumbas. Que nossos guerreiros reencontrem, em cada passe e em cada dividida, o brilho que já nos iluminou em tantas noites históricas. E que, ao apito final, felizes ou exaustos, possamos dizer que testemunhamos mais um capítulo dessa paixão que se recusa a ser explicada.
Hoje é dia de Flu. E nada mais interessa. O resto, a gente resolve depois do milagre.
ST
Washington de Assis
