Abril é todo dia: movimento Autistas Flu promove iniciativas e busca um futebol mais inclusivo

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Celebrações , sinalizadores, cantar alto e arquibancada lotada são elementos que compõem uma partida de futebol no Brasil. Maracanã cheio, clássico com duas torcidas e bola rolando às 16h, retrata uma tarde impecável para alguns cariocas. Porém, para Frederico Massal, Enrique Tascheri e outros milhares de torcedores, a confusão de um estádio pode causar um grande desconforto.  Os dois personagens citados possuem duas características em comum: são apaixonados pelo Fluminense e autistas. Em busca da inclusão nos estádios para quem é diagnosticado com Transtorno do Espectro Austista (TEA), Monike Lourinho, mãe de Frederico, criou o movimento Autistas Flu em 2022. 

Foto: Reprodução

Fred, de seis anos, começou a frequentar o Maracanã com meses de vida e, nos primeiros jogos, apresentava incômodo com o barulho e tampava os ouvidos. Durante o período pandêmico, ele começou assistir às partidas pela televisão e desenvolveu “hiperfoco” no Fluminense. A vontade de ir ao estádio se intensificou e virou um pedido frequente em casa. A mãe ficou preocupada em como seria a reação da criança. 

 

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— Ele começou a pedir para ir nos jogos e eu ficava realmente com medo. Aí teve um dia que eu resolvi levar e coloquei abafador. Ele não aguentou nem dez minutos e a gente teve que sair. Quando descia a rampa do Maracanã, eu estava chateada porque não tinha um lugar para meu filho ficar — relatou Monike.

Frederico e Monike no gramado de Laranjeiras. Foto: Divulgação / via Instagram

O caso ocorreu no Clássico Vovô do Brasileirão de 2022 e a partir deste dia surgiu a vontade de mudar a arquibancada e ganhar notoriedade. Motivada pelos corintianos da Torcida Autistas Alvinegros, ela decidiu criar o Autistas Flu. Atualmente, a página possui cerca de 7.500 seguidores no instagram e propõe a integração no esporte com a frase “Força, Glória e Inclusão”.

 

Em 2022, era ano de eleição no clube e o atual presidente, Mário Bittencourt, entrou em contato com  Monike. Em breve conversa pelo celular, eles marcaram uma reunião presencial. Foram apresentadas propostas para a melhora da experiência de pessoas autistas no Maracanã e ações a serem promovidas. Entre os pedidos tinha: uma camisa especial confeccionada pela Umbro, um espaço adaptado no estádio, distribuição de abafadores e o aviso de proibido soltar bombas também enfatizar que o barulho incomoda pessoas autistas. Essas ações não foram realizadas. Uma solicitação, que começou recentemente, foi a dos jogadores entrarem de mãos dadas com crianças autistas.  

 

A assessoria do Fluminense afirmou que o clube abraça o movimento e que diversas ações e experiências exclusivas são realizadas para torcedores atípicos. Os integrantes do Autistas Flu já encontraram atletas da equipe feminina de futebol, viveram um dia de Moleque de Xerém e possuem duas vagas reservadas para crianças entrarem com os jogadores em campo. O clube também vai promover Match Days exclusivos e visitas ao Museu Fluminense FC, ao Centro de Treinamento Carlos Castilho e a Xerém.

 

De forma definitiva, o Time de Guerreiros estende uma faixa do movimento no Setor Leste do Maracanã em dias de jogos. Foi revelado que o clube tem o projeto da criação de uma sala de apoio no Setor Sul do Maracanã, que servirá como um espaço para receber e acolher os torcedores com TEA.

 

No dia 3 de julho de 2023, o prefeito Eduardo Paes sancionou a Lei nº 7.973 que prevê a construção de salas sensoriais em estádios com capacidade maior que 5 mil lugares. Até janeiro deste ano, a obra deveria estar pronta, mas não há nem sinal de construção nos três maiores estádios do Rio. As salas são importantes para quem possui o diagnóstico de TEA, pois o ambiente é interativo, silencioso e aconchegante.   

 

No caso do Maracanã, os clubes esperam a conclusão da licitação para dar início ao projeto. A assessoria do estádio comunicou que o Consórcio Maracanã iniciou um mapeamento de um local estratégico, que acolha torcedores autistas, além de garantir que a construção terá início após o término do processo de licitação. Monike revelou um pedido de todas as torcidas do Rio que lutam pela causa autista: incluir a obrigatoriedade da construção de uma sala sensorial nas propostas das concessionárias. Nenhum dos três clubes que estão na concorrência, Flamengo, Vasco e Fluminense, abraçaram a ideia. 

 

— Tem projetos,  tem pessoas interessadas em patrocinar a sala, porém a gente está na espera da licitação. Então quando as pessoas me cobram, eu respondo que não tenho mais o que fazer e até brinco falando que se pudesse eu já estava quebrando paredes e colocando a mão na massa — revelou a torcedora. 

 

Coritiba, Palmeiras, São Paulo, Corinthians, Internacional, Juventude e Goiás são os clubes que disponibilizam este espaço inclusivo no Brasil. O Mineirão e a Arena Pantanal, que são administrados pela concessionária Minas Arena e o Governo de Mato Grosso, também possuem as salas. O pioneiro na iniciativa foi o Coxa, que inaugurou o projeto em novembro de 2022. 

Sala sensorial do estádio Mineirão. Foto: Divulgação / Mineirão

Nos últimos dois anos, o movimento Autistas Flu promoveu um encontro de torcedores tricolores diagnosticados com TEA. Batizado como Autistas Flu Day, o evento ocorre no mês de Abril, na sede do clube em Laranjeiras. Diversas atividades recreativas, como oficinas terapêuticas, pintar e jogar futebol são realizadas. Também foi servido um café da manhã para as famílias. 

 

— Eu acho muito importante a gente ter uma troca e se incentivar. Perguntam bastante ‘Qual lugar vocês ficam na arquibancada?’, e a gente não tem local fixo porque cada um é de um jeito. Você pode ver um autistas que vai ficar no meio da bateria e outro que vai ficar longe. Então, eu deixo as famílias livres para viver essa experiência. Mas, eu não consigo ainda entender que estamos fazendo essa mudança na torcida do Fluminense — disse Monike.

 

Enrique Tascheri, de 22 anos, foi ao encontro pela primeira vez e participou do futebol com outros adultos. A paixão pelo Fluminense foi incentivada pela avó, que antes do nascimento já comprava roupas do tricolor. A mãe Márcia Passos contou que desde os dois anos ele já era apaixonado pelo clube, mas não frequentou o Maracanã antes da reforma para a Copa do Mundo de 2014. A ausência das salas sensoriais foi um motivo para a ida tardia aos estádios.

 

— Eu acho que é muito importante, porque quando ele era pequeno tinha sensibilidade auditiva. Se tivesse essas salas, a gente já teria levado, mas quando era criança ele não foi. Ele começou a ir depois que entrou para faculdade. Agora ele lida muito bem com o barulho, confusão ou qualquer coisa — relatou Márcia.  

 

Enrique não sofre mais com a sensibilidade auditiva e vai a maioria dos jogos acompanhado dos pais ou amigos da faculdade. Porém, no segundo jogo da Recopa Sul-Americana ele foi sozinho para a arquibancada e pôde ver o tricolor campeão. 

Enrique Tascheri, o pai Roberto Tascheri e a mãe Marcia Passos durante o evento Autistas Flu Day. Foto: Reprodução

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