Discurso frágil

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Ontem foi um dia difícil.

O The Intercept, em matéria sobre o caso de estupro de Mariana Ferrer, divulgou um vídeo no qual Claudio Gastão da Rosa Filho, advogado do réu, humilhava a menina em audiência virtual. Isso porque a linha argumentativa adotada pela defesa tinha como norte a desqualificação da vítima. Amparado pelo machismo enraizado na nossa sociedade,  ele levou à sessão algumas fotos postadas por ela nas redes sociais, nas quais aparecia em poses mais sensuais ou com um pouco mais de exposição, com o objetivo de criar uma “má reputação” que serviria de base para provar a inocência do empresário André Camargo Aranha, acusado de estupro. Não bastassem os absurdos vomitados pelo “advogado”, outro motivo de indignação foi a omissão do juiz frente à situação, que sequer interrompeu os ataques.

O pequeno trecho da audiência retrata não só o quão atrasada está a nossa sociedade no que tange os direitos das mulheres, mas o que muitas delas passam ao denunciarem seus agressores. O juiz é a personificação do Estado em um processo judicial, é quem estabelecerá (ao menos formalmente) se você teve ou não seus direitos violados. Imagine que desesperador seria se essa pessoa virasse as costas para você. Todo santo dia.

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Sobre isso, vimos diversas manifestações vindas do mundo do futebol, que costuma pensar que sua vida se resume às quatro linhas. Praticamente todos os clubes da Série A postaram mensagens reprovando o acontecido, além de alguns atletas, como os gigantes Richarlison e Yago Felipe, terem se posicionado também – deixo aqui o link da fala do nosso volante.

Lógico que me alivia o fato de o Flu e demais grandes terem dado atenção ao caso, mas não muito. 

Esse tipo de situação serve para nos alertar sobre a urgência da luta do movimento feminista e é de suma importância que os clubes comecem, efetivamente, a se envolver nessa causa (e outras tantas, claro). 

Para muito além do futebol, os clubes têm uma responsabilidade social. Eles desempenham um papel muito relevante na sociedade, atingem milhões de pessoas e, por isso, não podem se dar ao luxo de estarem alheios ao que acontece fora das competições. O esporte tem como uma de suas funções ser ferramenta educativa e de transformação social, e por isso é essencial a mensagem que os clubes e jogadores passaram ontem. 

Só que se posicionar nas redes sociais é o mínimo que cada um pode fazer e ainda é muito raro vermos ações mais incisivas sobre isso. É um discurso extremamente frágil. O Santos, um dos clubes mais fortes no futebol feminino e que tem histórico de ser ativo nessa luta, não pensou duas vezes antes de ignorar a condenação em primeira instância do Robinho e repatriá-lo com status de ídolo. A suspensão do contrato só foi acontecer quando sofreram pressão dos patrocinadores. Tanto eles, como Atlético-GO e Bragantino, não se posicionaram sobre o tema de ontem. Pelo menos não foram tão hipócritas. 

Enfim, meu ponto é o seguinte: os clubes de futebol precisam começar a sair do mundinho virtual onde são os reis do ativismo social. Pensar fora da caixinha e não ser contra a violência contra a mulher só quando um absurdo desses ocorrer ou ser contra o racismo só no Dia da Consciência Negra, ou o Time de Todos quando torcidas adversárias entoarem cantos homofóbicos direcionados à nossa torcida.

O próprio Fluminense já foi vanguarda na luta por direitos quando lideramos o movimento da profissionalização e quando nos opusemos ao regime nazista de Hitler. Durante a final do Campeonato Brasileiro de 84, em meio ao movimento das Diretas Já, ecoamos no Maracanã a vontade de escolher presidente do país.

Por que parar agora?

ST


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