Quando o Fluminense e a democracia se encontraram
A história do Fluminense é repleta de pioneirismos. São 118 anos de vanguarda no futebol carioca e brasileiro. A sociedade influenciando o clube e vice-versa. O que se pauta dentro de Laranjeiras é, claro, reflexo do que acontece do lado de fora e, norteado pela fidalguia e pelos valores mais nobres, o Fluminense acontece.
Tendo em vista a importância do dia de ontem, 31 de março, data em que lamentamos o golpe militar ocorrido em 1964, trago três situações em que as três cores se opuseram aos absurdos que aconteciam no Brasil e no mundo. Não por político A ou B, mas por valores humanos universais.
Aconteceu em 1942, em meio à Segunda Guerra Mundial, quando o nazismo planejava dominar o velho continente. Enquanto Hitler avançava na Europa, o Brasil de Vargas, que flertava com o fascismo de Mussolini, unia-se aos Aliados após ter embarcações bombardeadas pelos países do Eixo. Contudo, o país não tinha recursos suficientes para entrar em uma guerra. Assim, o governo lançou a Campanha Nacional de Aviação (CNA), a fim de angariar doações para a compra e construção da frota brasileira.
Você conhece nosso canal no Youtube? Clique e se inscreva! Siga também no Instagram
Foi nesse cenário que o Fluminense, cujo presidente era Marcos Carneiro de Mendonça, posicionou-se contra o nazismo – e contra o autoritarismo, contra o racismo, contra a homofobia, contra o antissemitismo, contra as perseguições de cunho político e qualquer tipo de preconceito. Mais do que isso, pôs-se à favor da diversidade, da pluralidade, do respeito, das liberdades. Da democracia.

O tricolor angariou fundos entre seus sócios para a compra de um monomotor que seria doado à Força Expedicionária Brasileira. A aeronave foi batizada de Coelho Netto, em homenagem ao ilustríssimo tricolor e membro da Academia de Letras. Além disso, abriu as portas das Laranjeiras para que o exército treinasse em seu estande de tiros.
Cerca de 20 anos depois, o Brasil se encontrava no momento mais sombrio de sua história como República. Entre 1964 e 1985, a ditadura militar censurou, perseguiu, torturou, matou e desapareceu com uma quantidade incontável de pessoas. Em 1968, com a promulgação do AI-5, a repressão e a violência do regime viviam o seu ápice desde o golpe dado 4 anos antes, era a ditadura escancarada.
Em 1984, já encurralada, consolidava-se o movimento pelas “Diretas Já”, que tinha por objetivo retomar o simples direito de o povo votar em seus representantes. Neste ano, coincidentemente, o Fluminense foi campeão brasileiro. Na final contra o Vasco, num Maracanã lotado, ambas as torcidas se uniram por uma causa comum antes dos 90 minutos: uma manifestação para escolherem o futuro presidente da nação, aos gritos de “1, 2, 3, 4, 5, mil, queremos eleger o presidente do Brasil!”.

Quem presidia o país neste período de redemocratização era o general João Figueiredo, torcedor tricolor. As opções do povo naquelas eleições eram os civis Tancredo Neves, da oposição, e Paulo Maluf, candidato da ditadura – este defendia as eleições indiretas, aquele, as diretas.
E o que eles têm a ver com isso?
Bom, tudo começou em 1983, quando Figueiredo sofreu um enfarto. Quem o auxiliou na recuperação foi o preparador físico Nazareno Tavares. Como forma de agradecimento, o general indicou-o para trabalhar no seu clube do coração. Nazareno virou praticamente um cabo eleitoral de Paulo Maluf e passou a aproximar o mundo do futebol à personagens políticos.
Na semana de um Fla-Flu que decidiria a Taça Guanabara, alguns jogadores do Fluminense foram à Brasília presentear o presidente com a faixa de campeão e, junto com Nazareno, fizeram também uma visita à Paulo Maluf. Claro que isso influenciou ainda mais os rubro-negros a se manifestarem contra o candidato, estendendo faixas e entoando cantos. Do nosso lado o mesmo aconteceu, faixas com os dizeres “Maluf não, Tancredo é a solução” e “o Flu não vai malufar” foram estendidas na torcida, que protestava pelas eleições diretas.

Sobre asse jogo, os rivais venceram por 1 a zero, mas o Flu venceu o campeonato, conquistando o bi naquele ano e o tri no ano seguinte. Sobre Nazareno, acabou sendo preso anos depois, armado e dirigindo um carro roubado. Foi assassinado em 1997.
Isto é um pouco da longa e grandiosa história do nosso Fluminense. Um exemplo de que o futebol não está à parte da sociedade, como gostam de pensar alguns dirigentes. Que o estádio não é só palco da festa das torcidas, mas também de atos cívicos. Lugar em que se deve ter respeito àqueles valores humanos universais mencionados anteriormente, à democracia, ao respeito, à diversidade e à tolerância.