Virada de Jogo
Quem assistiu à série The English Game (O Jogo Inglês) viu que o futebol não foi sempre o esporte democrático que é hoje. Era o esporte dos rapazes ricos, brancos, de boa família. Os episódios escancaram a mentalidade elitista dos atletas dos Old Etonians, que acreditavam que o jogo era deles. Rapidamente, viram mais times de fábricas pipocando pelo país e se incomodaram com a propagação do jogo, além do destaque aos atletas Jimmy Love e Fergus Sutter – operários. Enfim, foi diante deste cenário e muita resistência que as demais equipes, aos poucos, conquistaram seu direito de estar em campo.
E não foi diferente na chegada do football ao Rio de Janeiro.
Foi no início do século XX que as nossas histórias se cruzaram e o futebol aprendeu o português.
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À época, a visão sobre o jogo que imperava no Reino Unido era reproduzida aqui. O contexto, no entanto, era outro. Uma República recém nascida e uma população extremamente racista que acabara de ver a abolição da escravidão.
Nos primórdios do futebol carioca, time grande era time da elite: Fluminense, América, Botafogo, Flamengo; ao passo que os pequenos, os times de fábrica, de atletas trabalhadores, pobres e negros: Andaraí, Bangu, Mangueira, Vasco. É importante ainda ressaltar que a discriminação extrapolava o limite das quatro linhas. Na arquibancada, a gente fina, com as fitinhas importadas da Europa das cores de seu clube presas no chapéu; na geral, o resto dos torcedores. Não se misturavam.
Por muitos anos nós carregamos o título de time da elite carioca, do mito do pó de arroz, da fidalguia em seu sentido etimológico:
Fidalgo é um membro da nobreza ou alguém com gestos nobres. A palavra surgiu da contração da expressão “filho d’algo”, utilizada na região de Portugal e Espanha na época das cortes.
Enquanto isso, do lado de lá do maior clássico carioca, nosso rival se popularizava. Dos treinos em campo aberto, atraindo espectadores, passando pelo polêmico título de “mais querido do Brasil”, à coincidência de ter emplacado um tricampeonato carioca em 1942/43/44, período da Segunda Guerra Mundial, quando a instalação de antenas permitiu a transmissão, pelo rádio, das conquistas rubro-negras pelo Brasil. Foi assim que o time da Gávea caiu nos braços da massa, com a maior torcida do país, sendo o time de centenas de milhares de pobres e ricos, sem distinção. O time do povão.
Ufa! E onde eu quero chegar com isso?
Bom, não vou entrar no mérito da volta precipitada das atividades – minha posição está aqui -, meu ponto hoje é outro.
A relação entre dirigentes e políticos faz parte, claro. Mas o time de lá parece exceder este jogo e adentra no alinhamento ideológico que, hoje, é excludente. O time da massa não parece representá-la. Na verdade, comunica-se com parcela restrita de sua torcida. O capitalismo selvagem que motiva o posicionamento de Landim ignora a situação do Estado e do país, e principalmente, a condição de sua massa: a que depende do sistema público de saúde, do auxílio emergencial e, sobretudo, a mais vulnerável nessa crise.
E vejam só, o Fluminense, da elite, agora incorporando o outro sentido da conhecida fidalguia, buscando falar por todos, não só os seus. E muito menos pela suposta elite que representa.
Estaria o Carioca nos permitindo assistir a uma inversão de papéis históricos?
A maior torcida pode ser deles, mas quem aparenta representar os interesses dessa massa somo nós, junto com o Botafogo – que afrouxou, mas voltou atrás.
ST